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   A QUEM INTERESSA ENTERRAR AS DELAÇÕES PREMIADAS NO BRASIL?

 Texto originalmente publicado no jornal O Globo, com o título "A quem interessa enterrar as delações?"

A velocidade com que os fatos se sucedem hoje no país faz com que ilações e suposições passem a ser lidas como verdades absolutas. Sem ser. O emocional domina o racional, e noções gasosas sublimam–se.

O acordo de colaboraÃ§ÃŁo dos ex–executivos da J&F é um exemplo. Em meio à torrente de fatos trazidos à luz pelos relatos e dados de corroboraÃ§ÃŁo apresentados, sobreveio o pedido do Ministério Público para que o contrato assinado fosse rescindido. Alegou–se que fatos importantes teriam sido omitidos, o que — hoje se vê — nÃŁo aconteceu.

Contudo, estabeleceu–se a ideia de que o Estado, que validou as revelações feitas, pode–se utilizar da colaboraÃ§ÃŁo, mas se dispensa de entregar a contrapartida contratada. Na vida real, o Ministério Público pediu a rescisÃŁo ao Supremo Tribunal Federal. Muito embora a assessoria de imprensa da Procuradoria–Geral da República tenha divulgado a rescisÃŁo, uma decisÃŁo que cabe ao STF.

É claro que o entendimento equivocado de que o acordo foi rescindido existe porque foi suspensa a proibiÃ§ÃŁo de aplicaÃ§ÃŁo de cautelares. Mas daí a entender que o poder público pode denunciar contrato sem demonstrar a falta de boa–fé objetiva hÃˇ uma grande distÃ˘ncia. Até porque os colaboradores cumprem sua parte no contrato, com depoimentos e provas nos mais de 60 inquéritos abertos em decorrência de seus relatos.

O exame do caso pede alguma serenidade. O instituto da colaboraÃ§ÃŁo premiada, bastante novo no Brasil, foi recebido pela sociedade como um avanço no contexto da legislaÃ§ÃŁo penal. Uma das fontes de inspiraÃ§ÃŁo do instrumento sÃŁo os Estados Unidos, que o utiliza hÃˇ décadas. NÃŁo por acaso, lÃˇ, junto com os benefícios oferecidos em troca da colaboraÃ§ÃŁo, estabeleceu–se ampla proteÃ§ÃŁo ao colaborador no ordenamento jurídico norte–americano.

NÃŁo é difícil de entender. De pouco valeria ao colaborador livrar–se de sanções penais se depois ficasse à mercê do revide daqueles que ele ajudou a condenar. A lei americana pune com até dez anos de prisÃŁo mais multa quem retaliar ou perseguir o colaborador da Justiça. As figuras jurídicas do whistleblower e do delator nÃŁo sÃŁo as mesmas, mas ambos sÃŁo colaboradores da Justiça e, igualmente, estÃŁo sujeitos a atos de vingança de criminosos.

Imagine–se que em uma delaÃ§ÃŁo sejam colhidos relatos a respeito de condutas de pessoas com influência sobre determinado ÃłrgÃŁo público: o que o colaborador poderia enfrentar em termos de retaliações?

No mês passado, a Procuradoria–Geral da República submeteu ao STF os encaminhamentos sugeridos como desdobramento dos 76 anexos e termos complementares — com dados de corroboraÃ§ÃŁo e provas, inclusive de ações controladas — gerados dentro do contrato de colaboraÃ§ÃŁo.

NÃŁo sÃŁo poucas nem indefesas as autoridades, políticos, administradores públicos e empresÃˇrios citados nos anexos entregues pelos ex–executivos do grupo J&F. Dentre eles, certamente, haverÃˇ quem atue para encurralar seus algozes — a começar pelos que defendem a rescisÃŁo do acordo.

É preciso refletir a respeito de qual serÃˇ o futuro da colaboraÃ§ÃŁo premiada a partir desse quadro. Certamente, nÃŁo é por coincidência que nenhum novo acordo relevante foi celebrado depois da atitude de Rodrigo Janot de pedir a suspensÃŁo do contrato com os ex–executivos do grupo. NÃŁo deixa de ser irônico concluir que, depois de tantas tentativas de desmoralizar a colaboraÃ§ÃŁo com a Justiça, seja justamente o MPF o seu coveiro.
 
 
Data: 06/06/2018 Fonte:Revista Consultor Jurídico

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